poesia do
ventre livre / fábio de carvalho maranhão
Poesia dos versos
livres
me lembram
muitas prisões
que
ultrapassam as grades e os muros,
as correntes
e o pelourinho,
o dendê, o
axé e a casa grande
que o Freire
recifense registrou.
Eu nunca fui
um prisioneiro
nem tão
pouco visitei hospedei-me em celas com grades,
não escalei
muros de lamentações,
não fui
acorrentado nem chicoteado,
mas gosto de
dendê, ofereço e recebo axé,
pinto na
memória a velha casa viva da estalagem dos engenhos.
Poesia de
alma livre
desprende-se
de qualquer prisão,
pula
qualquer muro,
quebra
qualquer corrente,
torra
qualquer chicote,
multiplica recebidos
axés,
espalha todos os dendês até onde a vista der,
e aprofunda
sempre as raízes.
Poesia de
alma livre,
não é o que
muitos pensam.
É libertar-se
de tudo para escrever.
É olhar para
todos os lados
e achar-se
em todos os lugares.
É por isso
que quando escrevo com a alma livre,
sinto-me
livre por inteiro,
como essas palavras dispostas e fora do dicionário.
Poesia do
ventre livre,
é poder ser
pai e mãe da sua obra,
é poder ser
genitor e genitora da sua vida,
é poder ser
liberto das palavras,
dos sentidos,
dos entraves, das sequelas,
da História
mal contada, dos palavrões,
do Navio de
Angola e das chibatadas.
Poesia do
ventre livre é poder dizer sem medo:
“Castro Alves
poderia ter sido poeta das pessoas livres,
pois a liberdade era plena”.
É poder
dizer que de Castro ecoou a voz dos que foram silenciados.
Mas não se
pare poesia livre com as entranhas preconceituosas.
Não se pode
gritar “Liberdade” apenas olhando ao espelho.
A poesia do
ventre livre somos nós,
que
acreditamos na liberdade,
com ou sem
luz,
mesmo diante
da chibatada da hipocrisia,
que assola a
insignificância da fraqueza (des)humana,
renegando a miscigenação,
renegando a
si mesmo,
contradizendo as próprias origens,
abominando a sua Cultura.
Cortês-PE,
domingo, 20 de novembro/2016 - dia da
Consciência Negra.
Arte-Visual: Fábio de Carvalho (Maranhão) - Acervo Pessoal.